quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Deveras


«Vangloriem-se as gentes do que quiserem, coragem ou erudição, inteligência ou espírito, êxito junto das mulheres, riqueza ou nobreza; quanto a nós, concluiremos que é justamente nesse capítulo que lhes falta qualquer coisa; aquele que possui realmente e em absoluto uma qualidade nem sequer pensa em alardeá-la ou presumi-la; está completamente tranquilo no que toca a esse assunto.»

A. Schopenhauer, in «Aforismos»



O que é a verdade? É uma questão que tem evidente ressonância bíblica e à qual os evangelhos não dão uma resposta pronta e literal. Pelo contrário, quando Pilatos interroga Jesus nesse sentido - «Quid est Veritas?» -, Jesus responde-lhe com o mais absoluto silêncio, um silêncio enorme, imenso, completo, que vem atravessando os séculos.

Naturalmente que não é das grandes questões metafísicas que se vai pretender tratar aqui. Antes das pequenas verdades quotidianas, feitas e esculpidas pelo Homem, e à escala humana, as quais se revelam, normalmente, meras verosimilhanças ou, por vezes, a mais trivial das mentiras.

Pois tal como se educa uma criança dizendo-lhe que não deve meter o dedo no nariz, também se lhe ensina que não deve mentir. Diz-se, calmamente, que, tanto uma coisa como a outra, são coisas feias de se ver e piores de se fazer. Então a criança compreende que, por limpar o nariz com o dedo, terá de limpar o dedo de seguida, talvez nos calções, que, depois, terão de ser limpos também. Enfim, todo um processo fastidioso, um pouco sujo (para não dizerranhoso”), evitável pelo bom uso de lenços de papel. Ora, analogamente, sucede com o acto de mentir. Basta dar a perceber à criança que a verdade, embora à primeira vista possa não o parecer, é sempre mais simples, bonita e, até, vantajosa do que a mentira. De facto, uma vez chegada à idade adulta, constatará pela conduta de certas pessoas que, quando foram pequenas, do tamanho dela, lhes ensinaram injustamente o oposto: que bom e vantajoso era mentir. O que, a seu tempo, acarretará, para essas mesmas pessoas, consequências normalmente penosas e muito pouco vantajosas: com efeito «nunca ninguém enganou toda a gente o tempo todo».

Em suma, aprender a assoar o nariz e a assoar a mentira, logo de pequenino, contribui bastante (a par dos outros grandes desafios da vida) para a edificação de uma sociedade mais próspera, decente e evoluída.

(Publicado no jornal «O Primeiro de Janeiro», em 22 de Dezembro de 2011)

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