segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Crónica duma reforma anunciada



«O tempo pergunta ao tempo, quanto tempo o tempo tem, e o tempo responde ao tempo, que o tempo tem tanto tempo, quanto tempo o tempo tem.»

O último mês ficou, em termos legislativos, marcado pela publicação de, há muito aguardada, alteração do regime do Arrendamento Urbano, com entrada em vigor em meados do mês de Novembro.
Seguindo o adágio popular segundo o qual “o tempo resolve tudo”, a aposta é a de a passagem do tempo resolva os actuais e prementes problemas, daí se aposte numa “reforma” sem grandes e claras vantagens no imediato: a alteração que visa, no essencial, a aplicação do actual regime do arrendamento aos regimes de “contratos antigos”, isto é, os contratos de arrendamento celebrados, grosso modo, antes de 1990, contém, porém, uma excepção que a torna inaplicável à larga maioria dos actuais contratos em vigor.
Como veremos, uma coisa é a letra da lei, outra, bem distinta, é a sua aplicabilidade prática.
No panorama do mercado imobiliário português detecta-se que cerca de 12,5% dos alojamentos existentes em Portugal estão vagos e que 76% dos portugueses são donos da sua habitação, o que se traduz num elevado endividamento das famílias. Por outro lado, a reforma do arrendamento de 2006 não logrou, especialmente no que concerne aos arrendamentos antigos, atingir os resultados a que se propôs, qual fossem a dinamização do mercado de arrendamento e a requalificação e revitalização das cidades.
Mais importante é que a análise do mercado de arrendamento no que concerne aos “contratos antigos”: em 2011 os contratos celebrados antes de 1990 representavam 33% dos contratos de arrendamento em vigor em Portugal, sendo que nestes, 60% dos inquilinos têm mais de 65 anos de idade. Ainda segundo os mesmos dados, em 70% destes contratos a renda mensal é inferior a 100€.
Acontece, pois, como vimos alertando, que mau grado a propalada aproximação dos regimes, nomeadamente, quanto aos contratos habitacionais, pela possibilidade de livre denúncia, pelo senhorio, dos contratos celebrados por duração indeterminada nos mesmos termos aplicáveis aos novos contratos, tal possibilidade está afastada quando o arrendatário tenha idade igual ou superior a 65 anos (ou deficiência com grau de incapacidade superior a 60%). Ou seja, na prática, o pilar desta reforma do arrendamento urbano é inaplicável a 60% dos inquilinos, restando aos senhorios, em circunstâncias muito precisas e onerosas, a possibilidade de actualizar a renda, que em 44% dos contratos antigos é inferior a 50€ por mês.
O número de contratos de arrendamento celebrados antes de 1990 diminui mais de 40% nos últimos 10 anos (de cerca de 440 mil para 255 mil) e continuará a diminuir nos próximos anos, porque a lei natural da vida se encarregará que assim seja, … por isso a passagem do tempo resolverá o que nenhum executivo, nem com a desculpa das “exigências da Troika” teve a coragem de fazer.

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